segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Homem Irracional

Quando se está verdadeiramente apaixonada, o mais importante é estar junto ou, ainda que distante do outro, estar conectado de alguma forma. Fico pensando, então, o que é pior para uma mulher apaixonada: ser abandonada na porta do altar ou na porta do cinema.

Gabriela ficou horas esperando para se casar, pois o noivo tomou um pileque na despedida de solteiro e quase teve um coma alcoólico. Mesmo assim apresentou-se com atraso, munido do comprovante de internação. Casaram-se.

Carolina, melhor amiga de Gabriela, conheceu um moço elegante num dia de agosto, inteligente e carinhoso, sempre muito atencioso, um lindo menino que a cativou. Foi numa noite fria de inverno que se encontraram quase ao acaso. Sua gentileza e sorriso aproximaram os seus corações. A chuva fina e o frio aproximaram os seus corpos. Marcaram então um cinema para a semana seguinte.

No dia marcado investiu algumas horas nos preparativos e no translado até o local marcado. A hora do filme se aproximava e ele não chegava. Ela, já inquieta, comprou os ingressos e depois a pipoca. Já chegava a um nível de ansiedade que comia a pipoca antes mesmo de entrar no cinema. Enfim chegou... Chegou uma mensagem no seu celular:
“Tive um imprevisto esta semana no meu trabalho, não conseguiria chegar a tempo.”

Como assim “um imprevisto esta semana?” Poderia ter avisado no dia anterior, até por telefone, pensou Carolina. Lembrou-se da amiga Gabriela e da história do seu casamento, tentou consolar seu coração, mas foi inevitável interpretar a mensagem subliminar:

“Eu não sabia bem se queria ir ao cinema com você, como estava aqui nessa dúvida e só agora decidi que realmente não quero, mas não sabia como dizer, eu aproveito o imprevisto pra ir embora. Por favor, não insista.” Assinado: imaginação da Carolina.

Sentou-se na rua, no meio fio em frente ao cinema, com o saco de pipocas nas mãos, chorava compulsivamente. Ligou pra amiga Gabriela que se comprometeu com o seu resgate, acabada e abandonada na porta do cinema. Em meia hora Gabriela chegou e se deparou com a cena: Carolina desfigurada, desolada e descabelada. Até o pipoqueiro fazia afagos e dizia que ia ficar tudo bem.

Gabriela, grande amiga, procurou ser razoável, dizia que isso acontece e que deveria ser compreensiva, que o motivo era plausível e logo ele se retrataria.

_ Amiga, eu investi meu sentimento, gastei horas me preparando para o encontro, fui ao salão fazer as unhas e depilação meia perna...

Gabriela interrompeu a fala da amiga descabelada e parou de tentar amenizar as coisas, partiu para o ataque:

_ Nunca desperdice a depilação de uma mulher! Pare de chorar por alguém que não te merece! E veja se da próxima vez que marcar algo com alguém marque o bom e tradicional barzinho.

Carolina apenas queria que percebesse que era ele o ator principal com direito a indicação ao Oscar, o filme era apenas o coadjuvante naquele encontro. Numa atitude adolescente, ligou pra ele dizendo-lhe que “é um homem irracional e insensível” e nem deu tempo para que respondesse. Bloqueou-o no celular, desfez a amizade no facebook, excluiu todas as mensagens e vestígios de sua passagem em sua vida. Do meteórico romance só restou essa crônica, nenhum filme será rodado. 

Nota: Homem Irracional, filme do gênero drama dirigido por Woody Allen, EUA - 2015.

segunda-feira, 30 de novembro de 2015



Melancolia não é tristeza, 
e não precisa ser triste! 
Melancolia não é solidão.

É uma imensa saudade que sentimos no fundo de nossa alma, 
às vezes nem sabemos precisar de quê ou de quem. 

Tenho enorme saudade de um grande amor que não conheci! 


Melancolia é espera.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Final feliz

Rebeldia da Helena

Minha pequena Helena sempre revisa meus textos. Encerrada uma nova crônica chamei-a para fazer a revisão. Leu com o cuidado e o carinho costumeiros, pelo caminho da leitura ia corrigindo a pontuação. A história tinha apenas dois personagens: um moço com ar de formalidade e uma menina decididamente apaixonada.

Helena chegou ao final da leitura e disse não ter entendido.  Releu a história. O final era sutil, deixando livre a interpretação ao leitor. Na condição de autora, para mim estava muito claro: a menina morria no final. 

Dizia a história que anoitecia, ela dormiria para sempre, cansada de tanto esperar a volta de seu grande amor. Não era qualquer desfecho de vida e nem havia morrido de amor, era uma morte sublime. Seu coração estava repleto e preenchido, envelheceu e simplesmente partiu sem dor ou agonia, ainda que solitária.

Fofura aparente!
_ Como assim, “caaaara”. Na moral, como “tu” termina uma história desse jeito? Que absurdo!!! Não vou corrigir, não vou corrigir mais nada! Não me chame mais.

Eu gosto de filme triste porque prefiro chorar com a ficção!

Mas a minha pequena revisora, num ato de pura rebeldia e subversão, me fez mudar o final da história. Manda quem pode, obedece quem tem juízo: eu nunca sei onde coloco as vírgulas, uso todas as reticências do mundo e dez pontos de exclamação. Então, terminei a história dizendo: 

_ Boa noite, meu bem. Durma com anjos! Espero-te amanhã e depois também!


_ Ahhh, agora sim!


Medo de Chuva

Petrópolis 2015

Ele chegou ao final da tarde, usava um sobretudo azul escuro com cachecol e trazia uma pequena mala em suas mãos. Era mais alto do que eu havia imaginado, um belo moço assim mesmo, mas isso não era importante.

Aguardava ansiosamente a sua visita. Convidei-o para entrar, insisti acredito que por três ou quatro vezes. Ele preferiu permanecer na varanda, mas aceitou se sentar em minha companhia. A conversa era agradável, como houvera sido todas as conversas que tivemos à distância, anteriormente. Às vezes, eu me perdia no assunto porque olhava contemplativa sem acreditar na sua presença, eu havia me apaixonado por sua inteligência e elegância.

Em sua bagagem trazia muitos projetos, expectativas, pouca mágoa, porém muita inquietação com o que não conseguia compreender e indignação com as coisas deste mundo. O que mais pesava, no entanto, era a saudade. Tinha também muita ciência para ser compartilhada e uma poesia, que trazia de longe para me ofertar.

Percebi que o céu havia escurecido. Que horas seriam?  Teria o tempo passado tão depressa? Ele apressou-se em despedir-se adivinhando a chuva que se aproximava. Disse-me que voltaria, mas não saberia precisar quando.  O motivo de sua súbita partida? Que chuva que nada, temia que a afeição por mim só fizesse aumentar a saudade que carregava.

O tempo passou, escorreu pelo telhado e inundou o chão, penetrou no solo, tal como a chuva. Retirei a fita do cabelo e fechei as janelas. Já era noite em minha vida.



_ Boa noite, durma bem. Sonhe com os anjos! Espero-te amanhã e depois também!


Nota: Agradeço ao amigo Marcelo, que embora distante e recente, sempre perto do coração, disse-me que eu era capaz... Este texto é dedicado a essa linda pessoa, tão especial e que tantas vezes compartilhou comigo seus saberes!

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Cantiga para HeleBia



Minhas filhas são adoráveis, a começar pelo amor incondicional que elas me têm, apesar deste meu jeitinho esquecido de ser!

Perder-me nos lugares não é dúvida: é certeza. Noutro dia eu e as minhas meninas queríamos ir à Praia Vermelha, eu na direção do carro. Depois de me perder duas vezes tentando achar o caminho chegamos à Ipanema. Ah, tudo bem, é praia também.

Ter mãe transtornada é assim, não existe essa coisa de querer ir a algum lugar, a gente chega onde consegue chegar. Nunca sei a diferença entre esquerda e direita, iPod e iPad e assim por diante. Eu sempre esqueço o nome de coisas muito simples:

_ Como é mesmo o nome daquele negócio que a gente joga o macarrão depois que fica pronto?

_ Escorredor de macarrão, mãe! 



_ É isso! Obrigada, querida. Pega pra mamãe, por favor.


Um dia perdi a Beatriz na praça. Tinha uma apresentação circense e paramos para ver, ela tinha pouco mais de um metro e eu podia vê-la na minha frente com minha visão periférica enquanto conversava com minha cunhada. De repente não mais a vi. Comecei a gritar e correr pela praça, mobilizei toda a família em busca da criança. Roubei a cena: os espectadores do circo já me olhavam querendo saber o que estava acontecendo. Até que alguém disse:

_ A menina está aqui!

_ Onde?

Onde!?! No mesmo lugar em que eu a deixei, ela apenas havia se sentado, e continuava entretida com a apresentação.

Mas o pior foi o dia em que esqueci o nome da minha filha mais nova. Uma amiga me encontrou na rua quando estava a caminho do pediatra para uma consulta de rotina.

_ Lindo bebê, é uma menina, não é?


_ Sim! (E disso eu não tive a menor dúvida)



_ E como é o nome dela?


Eu olhava para a pessoa, depois para o bebê em meus braços, novamente para a pessoa, e para o bebê... um branco em minha mente, vazio total. Desesperador. Não conseguia lembrar o nome da pequena criatura. Só tinha uma semana em minha vida, a anestesia ainda entorpecida minha mente, já não sabia mais o que dizer pra mim mesma, nem que desculpas iriam me desculpar? Por fim, eu disse constrangida:

_ Eu não me lembro!

Helena é o seu nome, lindo nome, linda menina. Seu nome é uma canção muito especial para mim (Helena – Byafra), embora ela goste de pensar que é a homenagem à Helena de Tróia, a mais linda mulher já nascida no planeta em todos os tempos, motivo de disputa entre Menelau e Páris. Então se apresenta aonde chega, a despeito de toda essa história, com personalidade e ousadia: não sou Nena, não sou Leninha, meu nome é HELENA.



Elas são companheiras de viagem, lindas por dentro e por fora, as melhores. E já me prometeram que quando a melhor idade chegar, serão minhas mães, não me perderão na praça nem esquecerão meu nome. Que bom!

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Vida Maria

Newton Nunes, Natalina Bilate, Josefina Bilate e Maria dos Anjos (minha doce e adorada avó)

Existem muitas Marias em mim
Em cada Maria muitas histórias
Em cada história uma vida
Vida  Maria.

Lá vai, lá vai Maria, pelo mundo outra vez
Tentando de novo ser Maria.

Fui Maria menina, menina doce e moleca,
que brincou de panela e boneca,
subiu em árvore e perna de pau,
bola de gude e quartel general.

Fui Maria moça, moça ousada e levada,
em teatro de comédia,
do absurdo à tragédia, 
subvertendo a ordem
em show de banda de rock.

Fui Maria mulher, dedicada e amiga, 
Maria sagrada, Maria profana.
Maria da vó, da mãe e das filhas
Sou Maria de mim mesma.
Maria que roeu a corda e enfrentou enchente,

Todas as Marias ainda vivem em mim
Sou eu mais que a soma das partes
Sou Maria dos Anjos, Maria das Dores, Maria das Artes.

Maria, nem é meu por batismo
Mas tomo emprestado de todas as Marias
Assim me apresento a quem me é apresentado.
Em cantigas, em versos ou prosa
Não nego a luta nem fujo à prova. 
Me lanço na aventura e corro mundo afora
Me afirmando Maria ontem e agora.

Existem muitas Marias em mim
Em cada Maria muitas histórias
Em cada história uma vida
Vida  Maria.

Lá vai, lá vai Maria, pelo mundo 

Tentando ser Maria outra vez.  

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Cerimonial



Foi um cerimonial nada tradicional, sem aquelas coisas de trocar a boneca pelo sapatinho de baile, porque não somos meninas tradicionais. Uma homenagem simples e rápida para alguém muito especial: Helena. Mas foi Beatriz quem surpreendeu e em uma única frase emocionou a todos os parentes e amigos presentes: “você é minha melhor amiga!” 

Quando minha mãe teve câncer, Beatriz tinha cerca de 5 anos de idade, e ao perceber o quanto era importante ter um irmão que me amparava nos momentos difíceis e dividia as atribulações, eu decidi ter o segundo (a) filho (a). Disse a Beatriz que lhe deixaria um tesouro que ela deveria cuidar: mais que um irmão ou irmã, um amigo (a) com quem pudesse contar, alguém que iria dividir não só as coisas boas (o colo da mãe, chocolate, o quarto de princesa...), mas também as coisas ruins. 


E assim tem sido, construímos juntas uma linda história de amor, nem sempre cor de rosa, mas transparente, sincera e de muita cumplicidade. Já plantei uma árvore, escrevi cartas e histórias, mas minha maior realização é vê-las seguindo suas vidas com as sementes que consegui semear em seus corações. Todo bem que eu fizer ao mundo não será suficiente para agradecer a Deus a oportunidade de conviver e cuidar dessas meninas. Juntas, somos superpoderosas!



segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Equacionando a saudade


Newton era grande amigo meu e sempre que possível nós nos encontrávamos em uma confeitaria no centro do Rio no final da tarde para tecermos longas conversas, desde assuntos à toa como cortes de cabelo, a assuntos mais densos como as leis universais. As maçãs não estavam no cardápio, em geral pedíamos chá com biscoitos amanteigados de Petrópolis.

Em um desses encontros, disse-me com muita convicção que chegara à conclusão que dois corpos não ocupam o mesmo espaço, mas ficou desapontado com minha contestação. Refutei essa ideia de cara!

Iniciei a defesa da minha antítese falando-lhe de paixões avassaladoras que, nestes casos, pode acontecer dos amantes ocuparem o mesmo espaço, isso quase aconteceu comigo. Contei-lhe então sobre Gateau, um francês delicioso que me deixou saudades. Só de pensar na distância em que nos encontrávamos naquele momento era de rodar a cabeça e sentir frio no estômago. Conheci Gateau em uma viagem, por incrível que possa parecer, a Ouro Preto (Minas Gerais), ocasião em que fomos apresentados por uma amiga comum em um restaurante ao som de violinos. Devorei-o com os olhos do tipo amor à primeira vista enquanto ele se derretia por mim! Seria possível tão irresistível atração entre dois corpos? Pode ser, mas deixaria que Newton me explicasse sobre o poder da atração em outro momento.

Irresistível paixão e tamanha saudade, eu poderia jurar que o desejo de ocuparmos o mesmo espaço era quase incontrolável. Perguntei a Newton se era possível calcular a saudade que aumentava na razão direta do tempo e espaço que nos separava. Tínhamos, portanto, uma equação: quanto mais o tempo passa, maior é a saudade, medida em quilômetros por dias. Nessa hora lembrei-me do tempo em que Einstein participava conosco desses encontros, talvez fosse do seu gosto opinar em minha razão.

Muito indignado, Newton negaceava sacudindo a longa cabeleira. Dizia que isso tudo era bobagem minha e que saudade não se mede! Disse-me então em tom de provocação: “A essa distância? Duvido muito que ainda esteja a sua espera, já se derreteu por outra!”.  

Pensei em Gateau com carinho e considerei a distância que nos separava. Foi só então que me ocorreu a ideia de chamar o garçom: “servem Petit Gateau aqui?”. Em minutos, eu já estava servida, e em poucas e rápidas colheradas já havia devorado a iguaria, pondo fim a tanta saudade, enquanto Newton me olhava espantado. Dois corpos se fundiram em um: eu e Gateau éramos agora um único corpo.

Concluí então que Newton tinha razão: saudade não se mede, se mata! 


domingo, 18 de outubro de 2015


Amor à primeira batida


Nem sempre aquilo que nos parece um desastre é de fato ruim, como um amor à primeira batida, por exemplo.

Mariana e Mauro se conheceram em uma dessas situações no mínimo conflituosa, pra não dizer belicosa, mas hoje (eu juro que sim) vivem entre “os meus, os seus e os nossos” e, apesar do cotidiano, em imensa felicidade.

Mariana é conhecida por sua impulsividade quase teatral, beirando a insanidade, mas uma delícia de pessoa, amável e educada, desde que não seja provocada. Separou-se do marido depois de descobrir que o infeliz tinha uma amante. A princípio tentou reconquistá-lo, depois prometeu fazer de sua vida um inferno.

Mauro é um homem tranquilo e gentil, inteligente, sabe cozinhar e gosta de cuidar das crianças, um homem que toda mulher queria ter, com exceção da sua ex: pediu o divórcio alegando que perdera a paciência com sua quase perfeição, “enjoado demais” dizia ela.

Foi num estacionamento do shopping que se conheceram. Mariana seguia secretamente a atual de seu ex-marido, precisou fazer manobra radical e acertou a traseira do carro de Mauro que esperava parado para entrar de ré na vaga deixada por Mariana. Ela saltou do carro para ver o estrago. Mauro esboçou um pequeno sermão que culminaria na cobrança do prejuízo causado quando Mariana perguntou, cinicamente, o que fazia com o carro parado a sua frente: o argumento de Mariana era tão absurdo que deixou Mauro sem palavras.

Mariana gritou, xingou aquele que julgava ser seu algoz, afinal perdera a sirigaita de vista. Depois, percebendo a expressão estupefata do sujeito, aproveitou-se e simulou um ataque de nervos. Por fim, ela tirou os sapatos, Mauro protegeu a cabeça com os braços, julgando que seria atacado a sapatadas, “estaria enlouquecida?”. Ela sentou-se no meio fio e chorava como criança, agora completamente entregue e sincera... o homem compadecido pela mocinha descomposta ofereceu-lhe o ombro, perdoou-lhe a dívida, ofereceu-lhe uma carona e por fim o seu coração, só pediu-lhe em troca que o aceitasse em casamento.


Além dos filhos que já tinham, tiveram mais dois. Uniram suas escovas de dente debaixo do mesmo teto, o do banheiro nesse caso. Porém, assim como a escova de dente, o carro cada um tem o seu: não se empresta e não se fala mais nisso!

sábado, 10 de outubro de 2015


Gavetas


Com as marcas do tempo em minha pele e por todo o meu corpo, porém com a intensidade adolescente, acreditei que seria possível refazer caminhos. Tomada de coragem e determinação, revirei as gavetas da alma, procurei os versos escritos em cadernetas amareladas e me calcei de humildade e desprendimento para caminhar por lugares já esquecidos, permitindo-me chorar todas as lágrimas até secar e empalidecer, para depois sorrir e gargalhar, apaixonar-me loucamente, entregando-me ao vento sem nem saber para onde ele me levaria.

Não me levou a lugar algum esse tal de vento.  Aqui estou eu, dei voltas em círculos sem sair do lugar. Tornar-me alguém desinteressante e sem decência, com o coração indolente não estava em meus planos, não era esse o caminho que eu desejava tomar. Entre o que fui e as incertezas de quem serei, sou pedaço, sou retalho, mas sou potência.

Ainda sou noite escura, mas quando o dia amanhecer, eu não vou querer acordar. Vou sonhar o dia inteiro, abrirei os olhos, levantarei da cama, mas minha mente não despertará, está decidido! Quando se sonha, tudo é possível, não há fronteiras, não há barreiras, não há distância: respirar embaixo d’água e voar como pássaro, encontrar pessoas queridas, amores perdidos e tesouros escondidos.


Já tenho cede, cede de viver uma nova história, leve e madura. Com zelo e paciência, arrumo as gavetas, seco as lágrimas, refaço as malas, reinvento os caminhos, reescrevo meu destino... desta vez não mais ao sabor do vento, mas ao labor das pernas na direção escolhida. Não há certezas, há coragem apenas. 

segunda-feira, 5 de outubro de 2015


Frutas

Eu fazia uma salada de frutas e comecei a pensar em prosopopeia. Fazemos associações às vezes coerentes, outras vezes nem tanto.

O abacaxi, por exemplo, poderia ser associado a alguém de suma importância, afinal de contas ele tem uma coroa, mas se disserem que o fulano é um abacaxi, todo mundo vai pensar “lá vem problema”, pior que o pepino, porque ninguém vai querer descascar.

Ser considerado um banana também não é algo que se possa interpretar como elogio, eu particularmente gosto da ideia “do banana” ter um enorme coração. Ser uma uva é relativo, vai depender se é com ou sem caroço, mas se for uva passa, aí não é nada bom! Embora o figo seja citado até nas escrituras sagradas eu nunca ouvi ninguém dizer “aquele cara é mesmo um figo”. Linda mesmo é a melancia, não conheço combinação de cores mais perfeita, mas experimente só elogiar uma mulher dizendo-lhe que parece uma melancia! 

Já a maçã é a eleita, a querida de todos: todo professor tem um aluno ou aluna “maçã”. Ela é clássica e elegante como nenhuma outra. A pera até tentou tomar-lhe o posto, mas que nada, dizem que é dura ou aguada.

Se eu pudesse escolher, certamente seria uma pitanga: pequena e gorducha, às vezes doce e outras azeda, dependendo da época. Não gosto de ouvir dizer que “choraram todas as pitangas”, carambolas: que chorem as goiabas! O mais interessante dessa fruta é que a semente é bem maior que a fruta em si: a pitanga é uma potência, carrega dentro de si a vontade de ser árvore, ou seja, ela é uma fruta esforçada e bem intencionada diante da vida. A pitanga se faz perceber, mesmo por aqueles que não a saboreiam, por sua intensidade de cor e sabor excêntrico. Ela é delicada e notável. Ela é leve e atrevida.

Concluída a minha salada de frutas e toda a reflexão figurativa, passei a olhar para as pessoas de forma diferente e tentar descobrir com que fruta esse ou aquele se parecia. Ah, essa minha cabeça de melão, está lotada de sementes de ideia à toa!

domingo, 27 de setembro de 2015

Carolina e Voucher


Carolina é grande amiga e temos muitas afinidades tais como um gosto musical eclético, gostar de viajar e de andar pelo centro do Rio, além da solidão é claro! Carolina ainda acredita que encontrará o grande amor de sua vida quando tropeçar e cair nos braços do ser encantado. Bem, foi mais ou menos assim que encontrei o amor da minha vida, mas isso aconteceu por volta dos meus 18 anos, já não os tenho mais há muito tempo, nem os meus 18 anos nem o amor da minha vida, que o perdi não sei onde nem quando, mas faço votos e torço de verdade para que ela encontre o seu do jeitinho que imaginou!

Combinamos, como é de costume, o que iriamos fazer no final de semana. Dessa vez o programa teria que ser planejado com certa antecedência, pois iriamos ao show de uma banda famosa, na Lapa, era certo esgotar os ingressos. Ficou decidido então que Carolina compraria os ingressos antecipadamente pela internet.

Dois dias depois me deixou um recado no whatsApp dizendo que o ingresso estava comprado, eu deveria levar um quilo de alimento não perecível, o tal do ingresso solidário, e eu sinceramente achei bem legal que ela me considera uma pessoa solidária. Disse-me também que eu não me preocupasse, pois nos encontraríamos no local de sempre e ela levaria o Voucher.

Para tudo!

Como assim: Carolina tropeçou e caiu nos braços do ser encantado e não me contou nada? O Voucher também vai? Quem seria esse cara? Afinal, Carolina já falava nele com um tom de intimidade e até o convido para ir ao show! Fiquei tentando digerir essa história e pensando em quais seriam as suas reais intenções para com a minha amiga. Voucher, de certo seria negro, com a cabeça raspada, desses que usa shampoo mesmo sem precisar. Não muito baixo, pois os meninos pequenos não fazem o tipo da minha amiga, nem muito magro, nem muito forte; normal, assim no seu número. Juro: gastei algumas horas montando seu arquétipo, e mais outras tantas construindo seu perfil psicológico, e outras ainda conversando mentalmente com o cara aquelas coisas que a mãe diz quando conhece o namorado da filha.

Para uma grande amiga desejamos sempre grandes encontros, ela é linda por dentro e por fora e merece a pessoa mais fofa do planeta, pelo menos é o que eu acho! Mas não queria antecipar demais as coisas, afinal seria apenas o início do relacionamento entre Carolina e Voucher!

Nos encontramos no local marcado e vi Carolina caminhando em minha direção, sozinha: uai sô! (pensei). Minha ansiedade não me permitiu fazer muitos rodeios e fui logo perguntando:
_ E aí!
_ Tudo bem?
_ Ahm, cadê ele? Tá atrasado, não vem, vai nos encontrar no show?
Carolina sorriu um sorriso estranho:
_ Ele quem?
_ Seu amigo?
_ Amigo?
_ É... o Voucher?
_ Ahhh, o Voucher, tá aqui na bolsa! Lembrou-se de trazer o alimento?
_ Como assim tá na bolsa?

No dicionário: Voucher é um termo de origem inglesa que significa recibo ou documento que comprova o pagamento e o direito a um serviço ou produto. Em inglês, o verbo vouch significa "atestar", "confirmar".

Retirou o papel impresso da bolsa, que nos daria o direito de trocar pelos ingressos na bilheteria. Depois de lhe revelar a confusão provocada pela minha ignorância, do verbo ignorar no sentido de desconhecer, sugeri que colocasse esse lindo nome em seu primeiro filho. Assistimos ao show... e eu com a sensação de ter assassinado o namorado da minha amiga, já estava até gostando dele!  Mas foi ela quem me consolou:


_ Fica assim não amiga, isso vai passar. Ele nem era tão bonito assim!

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Gabriel, o filósofo 


No início foi difícil, escondido, mas afinal eu não estava cometendo nenhum pecado:
_ Não vou falar, não vou falar, vou falar: fiz um perfil em um site de relacionamentos. Pronto falei!

É como estar em uma festa com muitas pessoas falando com você ao mesmo tempo, no entanto tem sempre alguém que chama a sua atenção, se destaca dos demais. E foi num site de relacionamentos que conheci Gabriel46, acho que não foram os pais que colocaram esse nome na criatura, mas é assim a alcunha da grande maioria das pessoas nesses sites, tem códigos do tipo “ano em que nasceu” ou, como eu, denunciando a idade que é pra não haver equívocos: que fique muito claro que já estou na “melhor idade”.

Não me lembro quem piscou primeiro o olho virtual, mas Gabriel46 me fez uma pergunta que me fez vê-lo de uma forma diferente: “você prefere o dia ou a noite?” Li e reli seu perfil antes de responder pra me certificar de que havia “compatibilidade”. Sua foto de óculos redondos iguais ao de John Lennon, jaqueta de couro, numa pose sedutora do tipo “tô aqui pro que der e vier, se vier comigo”. Respondi: “prefiro a noite para ver as estrelas”. Imediatamente chegou nova mensagem: “você gosta de sorvete?” Pensei então: que tipo de homem seria Gabriel46, de uma inteligência rebuscada, perguntas tão simples e profundas que me davam a possibilidade de tantas respostas?  Respondi então: “gosto de sorvete, de chocolate, de café e de andar pelo centro do Rio sábados à tarde, e você?” E outra pergunta: “Qual sua cor predileta?” “Gosto do vermelho, do laranja, pois que sou decidida e criativa, mas também gosto do azul e do verde que me acalmam e equilibram...” E as respostas eram cada vez mais longas e densas.

A essa altura pensava em Gabriel, seja qual for seu número, código ou idade, como um grande filósofo contemporâneo, a pessoa que eu procurava para passar o resto dos meus dias, beleza rara de se ver. Mas depois de responder cerca de quinze perguntas pude perceber que ele nunca respondia às minhas e começou a repeti-las: “você já me perguntou isso Gabriel”; “isso eu já lhe respondi”, “mas você ainda não respondeu à pergunta que lhe fiz!”


Foi só então que percebi que Gabriel46 não era assinante e que aquelas eram perguntas prontas do site. Ai, ai, ai... o romance acabou e Gabriel46 foi minha primeira desilusão virtual! 

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Nas nuvens com Pedrinho

Meu carro tem nome, minha máquina de lavar e minha máquina fotográfica. Meu celular também tem nome: chama-se Pedrinho, ele é contemporâneo assim como minhas novas relações sociais. “Isso fala?” Responderia a Pedro II, grande amor da minha vida, que isto fala, envia mensagem de texto e imagem, filma, fotografa, calcula, agenda: o que diria Pedro sobre isso?

Desespero-me quando a amiga Lourdes cria mais um grupo no WhatsApp. Dia desses avisei aos amigos do grupo que eu realmente os amo, mas preciso abandoná-los, pois a bateria do meu celular deve durar até que eu pague a última prestação do aparelho.

A relação com meu celular tornou-se tão intensa que entrei em pânico o dia em que o perdi no trabalho. Fiquei gelada só de pensar na possibilidade de viver sem Pedrinho: TRAVEI. Uma amiga, vendo o meu desespero perguntou se eu já havia enviado as informações armazenadas para a “nuvem”, não enviei nada porque ainda não havia aprendido chegar às nuvens, devo ter pulado algum capítulo na modernidade.

Imagine só: meu namorado virtual me chamaria no WhatsApp e eu não receberia as suas mensagens até que providenciasse um novo aparelho e outro chip, isso poderia demorar dias. Meu bem era muito reservado, morava dentro do meu celular e jamais saiu lá de dentro, nem pra me encontrar. Seria o fim de algo que nem mesmo começou. Nosso frágil relacionamento não suportaria dias sem uma mensagem ou um sinal de fumaça. A essa altura já pensava em apelar para o bom e velho e-mail.

Enfim encontrei Pedrinho na estante da minha sala de trabalho (ufa!), mas o meu namorado virtual nunca mais me enviou nenhuma mensagem, foi embora sem dizer adeus: dust in the wind. Quanto ao namorado virtual eu jamais saberei, mas Pedrinho me ama, com certeza!


segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Central do Brasil, RJ 2015

Caridade é amar

Almoçar com o amigo Sucena é sempre uma enorme alegria, mas também oportunidade. Sua paciência e espírito fraterno, em longos diálogos, nos permitem pensar e repensar sobre temas às vezes esquecidos. Num dia desses conversávamos sobre mágoa, perdão e caridade. Então ele parou a conversa e registrou no Facebook uma de nossas conclusões, enquanto eu registrava mentalmente em forma de crônica:

Muitas vezes somos tomados de enorme piedade daqueles que passam pelas mazelas do mundo, tecemos comentários e opiniões a respeito disso e daquilo, conjecturando as causas e apontamos os culpados pela desgraça do mundo. Fome, doença, injustiça, violência, abandono...

Por cidadania ou por piedade, empreendemos esforços no sentido de minimizar a dor do próximo. Nesse exercício, seja qual for a motivação, nos desprendemos de nossas sobras: abrimos mão do pesado cobertor cheirando a guardado desde o último rigoroso inverno do Rio de Janeiro; aquela peça de roupa de quando tínhamos 20 Kg a menos, mas finalmente nos convencemos que jamais retornaremos ao corpo da adolescência; a toalha de banho manchada de alvejante; a panela sem cabo.

Doar o que nos sobra é excelente e importante passo, no entanto, se refletirmos um pouco além, percebemos que ainda é pouco diante do tanto que recebemos: amparo, abraços, o sol que se levanta e se põe diariamente. Convictos da necessidade da evolução moral, doamos além do que sobra, doamos nosso bem maior, o AMOR, investindo nosso tempo e energia em favor do outro.

Mas não apenas quando tempo for propício, afinal não somos nós quem determinamos quando e quanto o outro necessita, é a necessidade do outro; não somos nós quem determinamos se o outro precisa de pão ou de abraço, é a necessidade do outro. 


Precisamos aprender então a doar ao outro o que o outro precisa e quando precisa, sem esperar com isso retribuição, recompensa ou gratidão, porque só damos um pouco daquilo que temos e daquilo que somos. E isso sim nos fará felizes!