sábado, 25 de março de 2017

Voucher


Maria Carolina é grande amiga e temos muitas afinidades, tais como um gosto musical eclético, gostar de viajar e de andar pelo centro do Rio, além da solidão, é claro! Carol ainda acredita que encontrará o grande amor de sua vida, quando tropeçar e cair nos braços do ser encantado. Bem, foi mais ou menos assim que encontrei o amor da minha vida, mas isso aconteceu por volta dos meus 18 anos. Já não os tenho mais há muito tempo, nem os meus 18 anos, nem o amor da minha vida, que perdi não sei onde, nem quando, mas faço votos e torço de verdade para que ela encontre o seu, do jeitinho que imaginou!

Combinamos, como é de costume, o que iríamos fazer no final de semana. Dessa vez, o programa teria que ser planejado com certa antecedência, pois iríamos ao show de uma banda famosa, na Lapa, e era certo esgotar os ingressos. Ficou decidido então que Maria Carolina compraria os ingressos antecipadamente pela internet.

Dois dias depois, deixou-me um recado no WhatsApp, dizendo que o ingresso estava comprado e que eu deveria levar um quilo de alimento não perecível, o tal do ingresso solidário. Eu sinceramente achei bem legal que ela me considera uma pessoa solidária. Disse-me também que eu não me preocupasse, pois nos encontraríamos no local de sempre e ela levaria o Voucher.

Para tudo!

Como assim: Maria Carolina tropeçou e caiu nos braços do ser encantado e não me contou nada? O Voucher também vai? Quem seria esse cara? Afinal, Carol já falava nele com um tom de intimidade e até o convidou para ir ao show! Fiquei tentando digerir essa história e pensando em quais seriam as suas reais intenções para com a minha amiga. Voucher, de certo, seria negro, com a cabeça raspada, desses que usa shampoo mesmo sem precisar. Não muito baixo, pois os meninos pequenos não fazem o tipo da minha amiga, nem muito magro, nem muito forte; normal, assim no seu número. Juro, gastei algumas horas montando seu arquétipo e mais outras tantas construindo seu perfil psicológico e outras ainda conversando mentalmente com o cara aquelas coisas que a mãe diz quando conhece o namorado da filha.

Para uma grande amiga, desejamos sempre grandes encontros. Ela é linda e merece a pessoa mais fofa do planeta, pelo menos é o que eu acho! Mas não queria antecipar demais as coisas, afinal, seria apenas o início do relacionamento entre Maria Carolina e Voucher!

Nos encontramos no local marcado e vi Carol caminhando em minha direção, sozinha: uai sô! (pensei). Minha ansiedade não me permitiu fazer muitos rodeios e fui logo perguntando:
- E aí!
- Tudo bem?
-  Ahm, cadê ele? Tá atrasado, não vem, vai nos encontrar no show?
Carol sorriu um sorriso estranho:
- Ele quem?
- Seu amigo?
- Amigo?  
- É... O Voucher?
- Ahhh, o Voucher, tá aqui na bolsa! Lembrou-se de trazer o alimento?
- Como assim tá na bolsa?

No dicionário: Voucher é um termo de origem inglesa que significa recibo ou documento que comprova o pagamento e o direito a um serviço ou produto. Em inglês, o verbo vouch significa "atestar", "confirmar".

Retirou o papel impresso da bolsa, que nos daria o direito de trocar pelos ingressos na bilheteria. Depois de lhe revelar a confusão provocada pela minha ignorância, do verbo ignorar, no sentido de desconhecer, sugeri que colocasse esse lindo nome em seu primeiro filho. Assistimos ao show... E eu, com a sensação de ter assassinado o namorado da minha amiga. Já estava até gostando dele!  Mas foi ela quem me consolou:


- Fica assim não, amiga, isso vai passar. Ele nem era tão bonito assim!

Por: Gisele Nunes
Para: Vanessa Abreu, com carinho!!!

sexta-feira, 17 de março de 2017

VIDA MARIA



Existem muitas Marias em mim
Em cada Maria, muitas histórias
Em cada história, uma vida
Vida Maria.

Lá vai, lá vai Maria, pelo mundo outra vez
Tentando de novo ser Maria.

Fui Maria menina, menina doce e moleca,
que brinca de panela e boneca,
subiu em árvore e correu com perna de pau,
bola de gude e quartel general.

Fui Maria moça, moça ousada e levada,
em teatro de comédia,
do absurdo da vida à tragédia,
subvertendo a ordem
em show de banda de rock.

Fui Maria mulher, dedicada e amiga,
Maria sagrada, Maria profana.
Maria da vó, da mãe e das filhas
Sou Maria de mim mesma.
Maria que roeu a corda e que enfrentou enchente,

Todas as Marias ainda vivem em mim
Sou eu mais que a soma das partes
Sou eu Maria dos Anjos, Maria das Dores, Maria das Artes.

Maria, que nem é meu por batismo,
Mas tomo emprestado de todas as Marias do mundo
Assim, me apresento a quem me é apresentado.
Em cantigas, em versos ou prosa
Não nego a luta nem fujo à prova.
Me lanço na aventura e corro mundo afora
Me afirmando Maria, ontem e agora.

Existem muitas Marias em mim
Em cada Maria, muitas histórias
Em cada história, uma vida
Vida Maria.

Lá vai, lá vai Maria, pelo mundo

Tentando ser Maria outra vez.

Por: Gisele Nunes

domingo, 5 de março de 2017

Silêncio meu




Quero escrever aqui e agora, e vou falar depois, sobre o silêncio meu! Não me refiro ao silêncio dos sábios, mas também não falo sobre a palavra dos maledicentes. Preciso, é urgente, aprender a silenciar e encontrar a palavra que apenas constrói, edifica, esclarece.

Meu pensamento é vulcão e minha respiração ventania. Sou como furacão entre cidades pela força do que acredito e digo, despejo, vomito. Imagino e respondo até o que nunca ouvi, mas pensei ter ouvido. Minha imaginação é tsunami de mim mesma.

Digo bem alto aquilo que deveria ter calado. Não temo a multidão, falo em público, publico para o mundo o que sinto, o que sei e o que não sei. Da minha vida, nada há que se oculte.

Sim, sou desastrada com as palavras, confesso. Já magoei pessoas queridas, matei sonhos, destruí projetos, afastei o ser amado, fechei portas e janelas. Palavras mal ditas são aquelas que se diz no momento errado, para a pessoa errada, ainda que tenha que ser dita.

Exercitar o silêncio não é tarefa simples: exige bom senso, sensibilidade, sabedoria.

Bem ditas sejam as palavras que se desenham em minhas mãos e que saem da minha boca. Bendita seja a palavra!

Por: Gisele Nunes