sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Testamento



Ai meu Deus, de repente uma terrível dor, assim: do nada! Do pescoço, irradia pelo braço esquerdo até o cotovelo. Era tanta dor, que não hesitei em consultar o Dr. Web. Na busca: “dor braço esquerdo sintoma”. Era melhor nem saber. O diagnóstico foi terrível, me fez tremer!

Deitei-me na cama, segurando o cotovelo, quase morta de dó de mim mesma: tão moça. Como poderia eu partir para o outro mundo, assim tão jovem! Em instantes a vida passou pelos meus olhos, como um filme bom.

Muitos amigos eu fiz. Sentiriam a minha falta? Uns sim; outros nem tanto. Sem falsa modéstia, sei que faria falta ao mundo, nem tanto pelas minhas boas obras, porém muito mais por tudo que ficou por fazer.

Tenho uma pequena dívida, pagável, eu acho! Não tenho imóveis ou joias raras. Não deixo animal de estimação. Deixo muitos sonhos, ideias, desejos, muitas histórias, uma árvore, um livro e duas filhas. Deixo também fotografias, discos, livros, vitrola, um piano (que não toca mais), uma máquina de costura de manivela, ferro de passar a carvão, máquina de escrever, oito máquinas fotográficas analógicas. Quem vai querer?

Lembrei-me do meu amor. Ah, isso não é justo! Logo agora que encontrei o grande amor da minha vida! Já reservei um pacote de viagem em lua de mel, mas o noivo sequer foi comunicado da condição do noivado, ainda nem me declarei.

Não fui a Buenos Aires, nem a Paris!

Dei um pulo da cama. Tá decidido: a morte terá que ser adiada. Não, não posso partir! Tenho compromissos. Ainda bem que se tratava apenas de contratura muscular!


Por: Gisele Nunes (23/10/2017)

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Cartas



Já escrevi cartas de todos os tipos.
Cartas formais, cartas com pedidos especiais. Já escrevi aos deputados e senadores deste país solicitando-lhes maior comprometimento e lisura. Escrevi também para meus colegas educadores pedindo-lhes que mantenham o entusiasmo e dedicação e que se preparem com humildade para o novo tempo. Escrevi até para Santo Antônio a fim de dizer-lhe que a vida é boa, estou muito agradecida, coisa e tal, mas que está muito difícil viver tão só (vixe...), nessa hora até esqueci as formalidades espirituais.

Já escrevi cartas para pessoas queridas e distantes contando sobre os acontecimentos da minha vida e sobre os fatos à minha volta. Escrevi aos parentes e amigos a fim de felicitá-los pelos dias especiais.


Quase sempre me esquecia de colocar as cartas e cartões nos Correios! Oh céus, como eu amo a modernidade, nesses novos tempos enviamos através de redes sociais ou aplicativos!


Escrevi muitas cartas de amor, mas essas eu não enviei, não por esquecimento, não enviei por não ser correspondido o amor. Ainda que as enviasse seriam cartas sem resposta. Correspondência é intercâmbio, reciprocidade, comunicação entre pessoas. No meu caso eram apenas cartas mesmo, cartas que eu escrevi, coisas que eu senti... Não correspondido!

Por: Gisele Nunes

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

CABELO RUIM





Que pente que te penteia? Cabelo de Bombril, cabelo de piaçava... cabelo ruim!

Ah, ruim é não ter cabelo. (EU)

Sei não, no seu caso... era melhor ser careca!

Eu já ouvi de tudo e tudo tão ruim quanto ao aspecto estranhamente alvoraçado dos meus cabelos. Se eles pudessem ouvir, entrariam em depressão profunda! É bem verdade que eles apresentam comportamento inadequado às vezes, gostam de pregar peça e assustar as pessoas pela manhã e nem sempre me obedecem. Já tivemos dias de luta e dias de glória. 

Assim como os meus cabelos, eu tenho uma personalidade expansiva do tipo “me ame ou me odeie”. Na escola a galera do “me odeie” não perdoava: meus cabelos eram motivo de deboche e piada. Minha “amiga” de classe perguntou-me uma vez:
_ Quando chove molha o seu rosto? 

Maldita a hora que meu olhar denunciou a tentativa de entender a pergunta a fim de respondê-la. A "amiga" se antecipou:  
_É porque percebi que sua franja é uma marquise (risos)! 

Putz, eu não achei graça. Ah, esses adolescentes são cruéis!

Eu usei de tudo que me indicaram: banana sem semente com mel, abacate, babosa e maionese. Maionese? Pois é, não foi uma boa dica: fiquei uma semana sem sair de casa para não ofender o olfato de amigos. Nada resolveu. Indisciplinados, os mais de 200.000 fios de cabelos que moram na minha cabeça passaram a andar armados e por isso foram presos sem direito a habeas corpus.  

As coisas pioraram consideravelmente, os fios e eu passamos a utilizar drogas fortíssimas como formol e seus derivados. De usuários eventuais à dependência total, o prazer era todo meu. Já não ouvia ridículas piadas. Além do mais era só acordar e ir, simples assim. Mas depois de alguns anos eles se entregaram e as pontas duplas evidenciavam uma overdose. 

Encontro-me agora em processo de desintoxicação, transição capilar. Nada será como antes, já dizia o meu amigo mineiro! Sou liberta das amarras, de todos os grampos e elásticos que me prenderam, de todas as tolices que ouvi, feliz com os meus cachos indefinidos! 


Cabelo ruim? Que nada, ruim não é o que está na minha cabeça, ruim mesmo é o que sai da boca, é o que vai dentro da cabeça e do coração de algumas pessoas.

Por: Gisele Nunes

domingo, 11 de junho de 2017

MARIA FUMAÇA

Conservatória (RJ) - Setembro/ 2015


Enquanto ele (SOLENEMENTE) a ignora, ela se derrete por inteiro. Nunca soube interpretar o silêncio alheio, não sabe o que lhe vai à cabeça, mas ela gosta das palavras e ama a racionalidade que o conduz. 

E como um maquinista sábio, ele deixa que a Maria Fumaça grite, assovie, corra em trilhos; no entanto, é o maquinista, em absurda discrição, quem determina o tempo entre uma estação e outra. Ah, pobre Maria, que se julga livre e ávida, seu corpo inteiro se move alegremente na direção e velocidade que o Homem da Máquina imprime. 

"Deixe as coisas acontecerem, a vida é o que é, e pronto! Não se preocupe tanto", disse ele certo dia.

E de silêncio em silêncio, entre uma palavra e outra, ela suspira aliviada ao vê-lo chegar lá na estação para mais uma viagem. 

(Por Gisele Nunes)

quinta-feira, 13 de abril de 2017

ESTOU CANSADO

Santa Teresa - RJ (2016)


Estou hoje muito cansado, não é cansaço físico, nem mental. 

Estou cansado de mim mesmo: cansado das escolhas que fiz. Do lugar em que me encontro, dos encontros e lutas que travei, quase em vão.

Cansado de gente que acha que sabe o que diz, que se melindra com tudo, que me faz medir palavras.

Ahhh, estou muito cansado.

Estou cansado das roupas que vesti, dos sapatos que calcei, dos caminhos que percorri. Hoje estou de pijamas.

Estou cansado das opiniões que defendi, e em nome delas resisti, argumentei, protestei.


Hoje eu quero encerrar o drama. Hoje eu quero férias, quero ficar na cama.

E não só isso, hoje eu quero mais. Quero o direito de mudar a direção, mudar meu rumo.

Deixem-me em paz.

Vou ficar em silêncio, vou fazer as malas, vou fazer faxina, jogar fora todo sentimento velho, palavra azeda, pensamento amargo.

Amanhã tomo a estrada ou tomo um trem, não hoje, porque hoje estou cansado.

Por: Gisele Nunes
(Agradecida)


domingo, 2 de abril de 2017

REALEJO

Praça Santana - Piraí RJ (2015)

Não, não tive sorte no amor. Todo tipo de sorte eu tive: tenho bons amigos, a boca cheia de dentes, dinheiro para o necessário... Mas amor: não tive. Tive um, dois talvez, mas perdi. 

Não posso reclamar da vida, não tenho esse direito. 

Passo pela porta do cinema, nem ligo, olho para o outro lado, me faço de distraído. Passo pela praça e nem vejo enamorarem-se os casais, só vejo as pedras do caminho.

Não me atrevo dar trela pra gorducha, nem pra magrela. Mal enfadado é pior que desacompanhado. Não quero o traste do espinho, tenho medo que me pelo de trairagem e desafeto. Uma hora diz que quer, outra hora não quer mais: tá doido, sô!

Peito ardido? Sei como se cura não!

Vivo só, e daí? Vivo comigo mesmo. Vou caminhando, desse jeito. Finjo que nem quero; precisar, ah, eu nem preciso! Mas o diacho é que às vezes me distraio de verdade e meu peito reclama o vazio! Sai pensamento torto, sai daqui, por favor!

Enrolo o fumo, enrolo o tempo, vou vivendo bestamente. Besteira mesmo é essa mania que a gente tem de viver em par! Já larguei dessa ideia, e faz tempo que larguei.


Por: Gisele Nunes 
(Agradecida!)

sábado, 25 de março de 2017

Voucher


Maria Carolina é grande amiga e temos muitas afinidades, tais como um gosto musical eclético, gostar de viajar e de andar pelo centro do Rio, além da solidão, é claro! Carol ainda acredita que encontrará o grande amor de sua vida, quando tropeçar e cair nos braços do ser encantado. Bem, foi mais ou menos assim que encontrei o amor da minha vida, mas isso aconteceu por volta dos meus 18 anos. Já não os tenho mais há muito tempo, nem os meus 18 anos, nem o amor da minha vida, que perdi não sei onde, nem quando, mas faço votos e torço de verdade para que ela encontre o seu, do jeitinho que imaginou!

Combinamos, como é de costume, o que iríamos fazer no final de semana. Dessa vez, o programa teria que ser planejado com certa antecedência, pois iríamos ao show de uma banda famosa, na Lapa, e era certo esgotar os ingressos. Ficou decidido então que Maria Carolina compraria os ingressos antecipadamente pela internet.

Dois dias depois, deixou-me um recado no WhatsApp, dizendo que o ingresso estava comprado e que eu deveria levar um quilo de alimento não perecível, o tal do ingresso solidário. Eu sinceramente achei bem legal que ela me considera uma pessoa solidária. Disse-me também que eu não me preocupasse, pois nos encontraríamos no local de sempre e ela levaria o Voucher.

Para tudo!

Como assim: Maria Carolina tropeçou e caiu nos braços do ser encantado e não me contou nada? O Voucher também vai? Quem seria esse cara? Afinal, Carol já falava nele com um tom de intimidade e até o convidou para ir ao show! Fiquei tentando digerir essa história e pensando em quais seriam as suas reais intenções para com a minha amiga. Voucher, de certo, seria negro, com a cabeça raspada, desses que usa shampoo mesmo sem precisar. Não muito baixo, pois os meninos pequenos não fazem o tipo da minha amiga, nem muito magro, nem muito forte; normal, assim no seu número. Juro, gastei algumas horas montando seu arquétipo e mais outras tantas construindo seu perfil psicológico e outras ainda conversando mentalmente com o cara aquelas coisas que a mãe diz quando conhece o namorado da filha.

Para uma grande amiga, desejamos sempre grandes encontros. Ela é linda e merece a pessoa mais fofa do planeta, pelo menos é o que eu acho! Mas não queria antecipar demais as coisas, afinal, seria apenas o início do relacionamento entre Maria Carolina e Voucher!

Nos encontramos no local marcado e vi Carol caminhando em minha direção, sozinha: uai sô! (pensei). Minha ansiedade não me permitiu fazer muitos rodeios e fui logo perguntando:
- E aí!
- Tudo bem?
-  Ahm, cadê ele? Tá atrasado, não vem, vai nos encontrar no show?
Carol sorriu um sorriso estranho:
- Ele quem?
- Seu amigo?
- Amigo?  
- É... O Voucher?
- Ahhh, o Voucher, tá aqui na bolsa! Lembrou-se de trazer o alimento?
- Como assim tá na bolsa?

No dicionário: Voucher é um termo de origem inglesa que significa recibo ou documento que comprova o pagamento e o direito a um serviço ou produto. Em inglês, o verbo vouch significa "atestar", "confirmar".

Retirou o papel impresso da bolsa, que nos daria o direito de trocar pelos ingressos na bilheteria. Depois de lhe revelar a confusão provocada pela minha ignorância, do verbo ignorar, no sentido de desconhecer, sugeri que colocasse esse lindo nome em seu primeiro filho. Assistimos ao show... E eu, com a sensação de ter assassinado o namorado da minha amiga. Já estava até gostando dele!  Mas foi ela quem me consolou:


- Fica assim não, amiga, isso vai passar. Ele nem era tão bonito assim!

Por: Gisele Nunes
Para: Vanessa Abreu, com carinho!!!

sexta-feira, 17 de março de 2017

VIDA MARIA



Existem muitas Marias em mim
Em cada Maria, muitas histórias
Em cada história, uma vida
Vida Maria.

Lá vai, lá vai Maria, pelo mundo outra vez
Tentando de novo ser Maria.

Fui Maria menina, menina doce e moleca,
que brinca de panela e boneca,
subiu em árvore e correu com perna de pau,
bola de gude e quartel general.

Fui Maria moça, moça ousada e levada,
em teatro de comédia,
do absurdo da vida à tragédia,
subvertendo a ordem
em show de banda de rock.

Fui Maria mulher, dedicada e amiga,
Maria sagrada, Maria profana.
Maria da vó, da mãe e das filhas
Sou Maria de mim mesma.
Maria que roeu a corda e que enfrentou enchente,

Todas as Marias ainda vivem em mim
Sou eu mais que a soma das partes
Sou eu Maria dos Anjos, Maria das Dores, Maria das Artes.

Maria, que nem é meu por batismo,
Mas tomo emprestado de todas as Marias do mundo
Assim, me apresento a quem me é apresentado.
Em cantigas, em versos ou prosa
Não nego a luta nem fujo à prova.
Me lanço na aventura e corro mundo afora
Me afirmando Maria, ontem e agora.

Existem muitas Marias em mim
Em cada Maria, muitas histórias
Em cada história, uma vida
Vida Maria.

Lá vai, lá vai Maria, pelo mundo

Tentando ser Maria outra vez.

Por: Gisele Nunes

domingo, 5 de março de 2017

Silêncio meu




Quero escrever aqui e agora, e vou falar depois, sobre o silêncio meu! Não me refiro ao silêncio dos sábios, mas também não falo sobre a palavra dos maledicentes. Preciso, é urgente, aprender a silenciar e encontrar a palavra que apenas constrói, edifica, esclarece.

Meu pensamento é vulcão e minha respiração ventania. Sou como furacão entre cidades pela força do que acredito e digo, despejo, vomito. Imagino e respondo até o que nunca ouvi, mas pensei ter ouvido. Minha imaginação é tsunami de mim mesma.

Digo bem alto aquilo que deveria ter calado. Não temo a multidão, falo em público, publico para o mundo o que sinto, o que sei e o que não sei. Da minha vida, nada há que se oculte.

Sim, sou desastrada com as palavras, confesso. Já magoei pessoas queridas, matei sonhos, destruí projetos, afastei o ser amado, fechei portas e janelas. Palavras mal ditas são aquelas que se diz no momento errado, para a pessoa errada, ainda que tenha que ser dita.

Exercitar o silêncio não é tarefa simples: exige bom senso, sensibilidade, sabedoria.

Bem ditas sejam as palavras que se desenham em minhas mãos e que saem da minha boca. Bendita seja a palavra!

Por: Gisele Nunes