segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Central do Brasil, RJ 2015

Caridade é amar

Almoçar com o amigo Sucena é sempre uma enorme alegria, mas também oportunidade. Sua paciência e espírito fraterno, em longos diálogos, nos permitem pensar e repensar sobre temas às vezes esquecidos. Num dia desses conversávamos sobre mágoa, perdão e caridade. Então ele parou a conversa e registrou no Facebook uma de nossas conclusões, enquanto eu registrava mentalmente em forma de crônica:

Muitas vezes somos tomados de enorme piedade daqueles que passam pelas mazelas do mundo, tecemos comentários e opiniões a respeito disso e daquilo, conjecturando as causas e apontamos os culpados pela desgraça do mundo. Fome, doença, injustiça, violência, abandono...

Por cidadania ou por piedade, empreendemos esforços no sentido de minimizar a dor do próximo. Nesse exercício, seja qual for a motivação, nos desprendemos de nossas sobras: abrimos mão do pesado cobertor cheirando a guardado desde o último rigoroso inverno do Rio de Janeiro; aquela peça de roupa de quando tínhamos 20 Kg a menos, mas finalmente nos convencemos que jamais retornaremos ao corpo da adolescência; a toalha de banho manchada de alvejante; a panela sem cabo.

Doar o que nos sobra é excelente e importante passo, no entanto, se refletirmos um pouco além, percebemos que ainda é pouco diante do tanto que recebemos: amparo, abraços, o sol que se levanta e se põe diariamente. Convictos da necessidade da evolução moral, doamos além do que sobra, doamos nosso bem maior, o AMOR, investindo nosso tempo e energia em favor do outro.

Mas não apenas quando tempo for propício, afinal não somos nós quem determinamos quando e quanto o outro necessita, é a necessidade do outro; não somos nós quem determinamos se o outro precisa de pão ou de abraço, é a necessidade do outro. 


Precisamos aprender então a doar ao outro o que o outro precisa e quando precisa, sem esperar com isso retribuição, recompensa ou gratidão, porque só damos um pouco daquilo que temos e daquilo que somos. E isso sim nos fará felizes!

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Petrópolis 2015

Medo de chuva


Ele chegou ao final da tarde, usava um sobretudo azul escuro com cachecol e trazia uma pequena mala em suas mãos. Era mais alto do que eu havia imaginado, um belo moço assim mesmo, mas isso não era importante.

Aguardava ansiosamente a sua visita. Convidei-o para entrar, insisti acredito que por três ou quatro vezes. Ele preferiu permanecer na varanda, mas aceitou se sentar em minha companhia. A conversa era agradável, como houvera sido todas as conversas que tivemos à distância, anteriormente. Às vezes, eu me perdia no assunto porque olhava contemplativa sem acreditar na sua presença, eu havia me apaixonado por sua inteligência e elegância.

Em sua bagagem trazia muitos projetos, expectativas, pouca mágoa, porém muita inquietação com o que não conseguia compreender e indignação com as coisas deste mundo. O que mais pesava, no entanto, era a saudade. Tinha também muita ciência para ser compartilhada e uma poesia, que trazia de longe para me ofertar.

Percebi que o céu havia escurecido. Que horas seriam?  Teria o tempo passado tão depressa? Ele apressou-se em despedir-se adivinhando a chuva que se aproximava. Disse-me que voltaria, mas não saberia precisar quando.  O motivo de sua súbita partida? Que chuva que nada, temia que a afeição por mim só fizesse aumentar a saudade que carregava.

O tempo passou, escorreu pelo telhado e inundou o chão, penetrou no solo, tal como a chuva. Retirei a fita do cabelo e fechei as janelas. Já era noite em minha vida.


_ Boa noite, durma bem. Sonhe com os anjos! Espero-te amanhã e depois também!

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Pão de Açúcar, RJ 2015

Engrenagens

Lembro-me bem do meu pai fazendo o seguinte comentário: “minha filha é esforçada, mas é muito burra, coitada!” Passei grande parte da minha vida tentando provar-lhe o contrário. Não ouvia com mágoa não, e agora até acho graça da constatação do meu preocupado e bem intencionado pai. De fato havia algo de errado comigo, aprender era difícil demais, coisas simples são ainda hoje por mim realizadas com enorme esforço.

Já convicta da razão do meu velho pai, quase desistindo da contraprova, um dia compreendi que eu tinha um transtorno de aprendizagem. Aprendi a lidar com minhas dificuldades e limitações, respeitando-as e amando-as até que eu me sinta pronta para superá-las.

Centro Cultural dos Correios RJ 2015
Eu sou educadora e utilizo o autoconhecimento em meu ofício. Assim como nunca esperei e não tive quem abrisse o meu casulo, também nunca usei minha dificuldade como desculpa para deixar de realizar tarefas assumidas. Sou muito exigente comigo mesma, a grande diferença é que hoje, consciente dos desdobramentos de ter nascido deste jeitinho, me dou o direito de errar, caminhando sempre num ritmo possível. Sou exigente também com meus alunos, mas compreendo suas dificuldades, seus medos e até suas tentativas de fuga, sem contudo permitir a inércia.

É difícil aprender novas linguagens, ler um romance, tudo que é abstrato demais, compreender ordens complexas, novos processos, aprender a dirigir... É difícil escrever!

Sou uma engrenagem faltando peça, mas sinceramente disposta a ser útil.

Minhas novas conquistas me deixam feliz comigo mesma e animada para superar novos desafios e sei que meu querido pai, que não teve tempo de perceber antes de partir, também ficaria feliz.  

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

CCBB, RJ 2015

A escola espiral


A escola não é apenas um lugar para aprender História, Matemática e outros conteúdos. Escola é lugar do Ser integral desenvolver seus talentos, através do exercício, com direito a errar e tentar novamente; é lugar de experimentar e buscar solução para os problemas que se apresentam, sejam eles de Química ou Física, ou de convivência; escola é lugar de conflito, porque paz não é vestir-se de branco e conflito não significa guerra; escola é lugar de aprender, de ensinar e de fazer amigos. 

Em uma sala de espera , eu ouvi o seguinte comentário de uma senhora, indignada com a atual educação brasileira: " Na minha época , sabíamos todas as capitais do mundo e todos os afluentes do rio Amazonas”.  Eu disse-lhe que não concordava e que estou apaixonada pelos novos rumos propostos para a Educação nesse momento. Quase apanhei, literalmente.

Não sei avaliar ao certo se isso é fundamental num mundo com tantas informações despejadas em tempo real, por segundo, na web. Nem digo que não seja importante saber da existência do longo e caudaloso Rio Amazonas, mas de nada valerá se eu não souber transformar a informação em conhecimento e utilizá-la em minha vida , se necessário. 

Dizer que “está tudo bem, obrigada” seria cegueira ou falta de senso crítico. Diria que “está tudo na mais perfeita desordem, a caminho, em construção”. Afinal,  mudança é processo. Por fim, se nos unirmos em prol de nós mesmos apertaremos o passo em direção à “contemporaneidade” na educação. Então descobriremos que o final nem existe. A educação é parte do processo de transformação constante da sociedade e, como  tal não é círculo, é espiral.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Forró dos Amigos, Vista Alegre RJ 2015

Vista Alegre-Se


Na nossa casa o vento abraça
A calçada acolhe
Os pássaros nos chamam
As portas se abrem, recebem
A gente se encontra
Se encanta
A gente canta
Vista-se para a dança
A melhor veste que tiver
A veste que alegra

Alegre-se

domingo, 2 de agosto de 2015

São Lourenço, MG 2015
Janelas da alma

Alguns dias recebi o e-mail dele com a tão esperada proposta: “o que acha de nos encontrarmos?” Não consegui respondê-lo imediatamente . Fiquei pensando sobre o assunto por algum tempo.  Justo eu que tanto insisti em olhar pelas janelas da alma e desvendar seus mistérios, já não tinha tanta certeza. Eu havia me acostumado com a virtualidade do sentimento. Concretizar aquele encontro seria um risco de perder o pouco que tinha. As dúvidas contaminavam meu sangue e cada célula do meu corpo tremia de medo. E se aquele encontro fosse somente o fim de algo que nunca teve início? E se... eram tantos “e se”!

Nestes últimos meses tão importantes e decisivos em minha vida, pude contar com sua presença e seu carinho. Ele, mesmo distante, ajudou em meu processo de redescoberta e reconstrução. Jamais me deu motivos ou disse algo que pudesse causar expectativas, mas mesmo assim as tive, por conta própria, porque é assim que as coisas acontecem.

Dediquei a ele minhas canções mais preciosas, mais do que a qualquer outra pessoa que tenha conhecido. Estas canções remetiam minha memória às histórias que eu mesma construíra, eram todas suas e a mais ninguém poderiam ser dedicadas. E todo bem que ele me fez jamais poderei retribuir.

Quando enfim consegui responder ao convite, disse-lhe que seria um enorme prazer conhecê-lo. “Conhecer-me? Já nos conhecemos!” disse ele. Isso é meia verdade. Longas e agradáveis horas ao telefone daria tempo para irmos ao encontro um do outro, mas esta era uma aproximação de conquista e não de sedução, e foi isso que tornou esta relação encantada. Ainda faltava o olhar, mas e se...

Eu cheguei minutos antes ao encontro marcado, sentei-me em um banco e iniciei uma leitura tentando distrair o coração. Às vezes levantava os olhos buscando encontrá-lo, nem sei quantas vezes repeti este movimento. Ao vê-lo parado em minha frente, levantei-me lentamente deixando o livro sentar-se no banco em meu lugar. Permanecíamos imóveis, mantida a distância entre nós, os olhos se encontraram enquanto uma música de Bach letrada por Flávio Venturini insistia em tocar em minha mente.


Bem, sobre o encontro só posso dizer agora que encerrava um delicioso capítulo da minha vida, em que muitas vezes, ele me fez companhia sem nem saber que comigo estava, só na minha imaginação. Pensei, mas o tempo não parou para que eu lhe dissesse: “Não fique só, nunca. Fique comigo, sempre.” As imagens se diluíram no espaço. Acordei então.