quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Cerimonial



Foi um cerimonial nada tradicional, sem aquelas coisas de trocar a boneca pelo sapatinho de baile, porque não somos meninas tradicionais. Uma homenagem simples e rápida para alguém muito especial: Helena. Mas foi Beatriz quem surpreendeu e em uma única frase emocionou a todos os parentes e amigos presentes: “você é minha melhor amiga!” 

Quando minha mãe teve câncer, Beatriz tinha cerca de 5 anos de idade, e ao perceber o quanto era importante ter um irmão que me amparava nos momentos difíceis e dividia as atribulações, eu decidi ter o segundo (a) filho (a). Disse a Beatriz que lhe deixaria um tesouro que ela deveria cuidar: mais que um irmão ou irmã, um amigo (a) com quem pudesse contar, alguém que iria dividir não só as coisas boas (o colo da mãe, chocolate, o quarto de princesa...), mas também as coisas ruins. 


E assim tem sido, construímos juntas uma linda história de amor, nem sempre cor de rosa, mas transparente, sincera e de muita cumplicidade. Já plantei uma árvore, escrevi cartas e histórias, mas minha maior realização é vê-las seguindo suas vidas com as sementes que consegui semear em seus corações. Todo bem que eu fizer ao mundo não será suficiente para agradecer a Deus a oportunidade de conviver e cuidar dessas meninas. Juntas, somos superpoderosas!



segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Equacionando a saudade


Newton era grande amigo meu e sempre que possível nós nos encontrávamos em uma confeitaria no centro do Rio no final da tarde para tecermos longas conversas, desde assuntos à toa como cortes de cabelo, a assuntos mais densos como as leis universais. As maçãs não estavam no cardápio, em geral pedíamos chá com biscoitos amanteigados de Petrópolis.

Em um desses encontros, disse-me com muita convicção que chegara à conclusão que dois corpos não ocupam o mesmo espaço, mas ficou desapontado com minha contestação. Refutei essa ideia de cara!

Iniciei a defesa da minha antítese falando-lhe de paixões avassaladoras que, nestes casos, pode acontecer dos amantes ocuparem o mesmo espaço, isso quase aconteceu comigo. Contei-lhe então sobre Gateau, um francês delicioso que me deixou saudades. Só de pensar na distância em que nos encontrávamos naquele momento era de rodar a cabeça e sentir frio no estômago. Conheci Gateau em uma viagem, por incrível que possa parecer, a Ouro Preto (Minas Gerais), ocasião em que fomos apresentados por uma amiga comum em um restaurante ao som de violinos. Devorei-o com os olhos do tipo amor à primeira vista enquanto ele se derretia por mim! Seria possível tão irresistível atração entre dois corpos? Pode ser, mas deixaria que Newton me explicasse sobre o poder da atração em outro momento.

Irresistível paixão e tamanha saudade, eu poderia jurar que o desejo de ocuparmos o mesmo espaço era quase incontrolável. Perguntei a Newton se era possível calcular a saudade que aumentava na razão direta do tempo e espaço que nos separava. Tínhamos, portanto, uma equação: quanto mais o tempo passa, maior é a saudade, medida em quilômetros por dias. Nessa hora lembrei-me do tempo em que Einstein participava conosco desses encontros, talvez fosse do seu gosto opinar em minha razão.

Muito indignado, Newton negaceava sacudindo a longa cabeleira. Dizia que isso tudo era bobagem minha e que saudade não se mede! Disse-me então em tom de provocação: “A essa distância? Duvido muito que ainda esteja a sua espera, já se derreteu por outra!”.  

Pensei em Gateau com carinho e considerei a distância que nos separava. Foi só então que me ocorreu a ideia de chamar o garçom: “servem Petit Gateau aqui?”. Em minutos, eu já estava servida, e em poucas e rápidas colheradas já havia devorado a iguaria, pondo fim a tanta saudade, enquanto Newton me olhava espantado. Dois corpos se fundiram em um: eu e Gateau éramos agora um único corpo.

Concluí então que Newton tinha razão: saudade não se mede, se mata! 


domingo, 18 de outubro de 2015


Amor à primeira batida


Nem sempre aquilo que nos parece um desastre é de fato ruim, como um amor à primeira batida, por exemplo.

Mariana e Mauro se conheceram em uma dessas situações no mínimo conflituosa, pra não dizer belicosa, mas hoje (eu juro que sim) vivem entre “os meus, os seus e os nossos” e, apesar do cotidiano, em imensa felicidade.

Mariana é conhecida por sua impulsividade quase teatral, beirando a insanidade, mas uma delícia de pessoa, amável e educada, desde que não seja provocada. Separou-se do marido depois de descobrir que o infeliz tinha uma amante. A princípio tentou reconquistá-lo, depois prometeu fazer de sua vida um inferno.

Mauro é um homem tranquilo e gentil, inteligente, sabe cozinhar e gosta de cuidar das crianças, um homem que toda mulher queria ter, com exceção da sua ex: pediu o divórcio alegando que perdera a paciência com sua quase perfeição, “enjoado demais” dizia ela.

Foi num estacionamento do shopping que se conheceram. Mariana seguia secretamente a atual de seu ex-marido, precisou fazer manobra radical e acertou a traseira do carro de Mauro que esperava parado para entrar de ré na vaga deixada por Mariana. Ela saltou do carro para ver o estrago. Mauro esboçou um pequeno sermão que culminaria na cobrança do prejuízo causado quando Mariana perguntou, cinicamente, o que fazia com o carro parado a sua frente: o argumento de Mariana era tão absurdo que deixou Mauro sem palavras.

Mariana gritou, xingou aquele que julgava ser seu algoz, afinal perdera a sirigaita de vista. Depois, percebendo a expressão estupefata do sujeito, aproveitou-se e simulou um ataque de nervos. Por fim, ela tirou os sapatos, Mauro protegeu a cabeça com os braços, julgando que seria atacado a sapatadas, “estaria enlouquecida?”. Ela sentou-se no meio fio e chorava como criança, agora completamente entregue e sincera... o homem compadecido pela mocinha descomposta ofereceu-lhe o ombro, perdoou-lhe a dívida, ofereceu-lhe uma carona e por fim o seu coração, só pediu-lhe em troca que o aceitasse em casamento.


Além dos filhos que já tinham, tiveram mais dois. Uniram suas escovas de dente debaixo do mesmo teto, o do banheiro nesse caso. Porém, assim como a escova de dente, o carro cada um tem o seu: não se empresta e não se fala mais nisso!

sábado, 10 de outubro de 2015


Gavetas


Com as marcas do tempo em minha pele e por todo o meu corpo, porém com a intensidade adolescente, acreditei que seria possível refazer caminhos. Tomada de coragem e determinação, revirei as gavetas da alma, procurei os versos escritos em cadernetas amareladas e me calcei de humildade e desprendimento para caminhar por lugares já esquecidos, permitindo-me chorar todas as lágrimas até secar e empalidecer, para depois sorrir e gargalhar, apaixonar-me loucamente, entregando-me ao vento sem nem saber para onde ele me levaria.

Não me levou a lugar algum esse tal de vento.  Aqui estou eu, dei voltas em círculos sem sair do lugar. Tornar-me alguém desinteressante e sem decência, com o coração indolente não estava em meus planos, não era esse o caminho que eu desejava tomar. Entre o que fui e as incertezas de quem serei, sou pedaço, sou retalho, mas sou potência.

Ainda sou noite escura, mas quando o dia amanhecer, eu não vou querer acordar. Vou sonhar o dia inteiro, abrirei os olhos, levantarei da cama, mas minha mente não despertará, está decidido! Quando se sonha, tudo é possível, não há fronteiras, não há barreiras, não há distância: respirar embaixo d’água e voar como pássaro, encontrar pessoas queridas, amores perdidos e tesouros escondidos.


Já tenho cede, cede de viver uma nova história, leve e madura. Com zelo e paciência, arrumo as gavetas, seco as lágrimas, refaço as malas, reinvento os caminhos, reescrevo meu destino... desta vez não mais ao sabor do vento, mas ao labor das pernas na direção escolhida. Não há certezas, há coragem apenas. 

segunda-feira, 5 de outubro de 2015


Frutas

Eu fazia uma salada de frutas e comecei a pensar em prosopopeia. Fazemos associações às vezes coerentes, outras vezes nem tanto.

O abacaxi, por exemplo, poderia ser associado a alguém de suma importância, afinal de contas ele tem uma coroa, mas se disserem que o fulano é um abacaxi, todo mundo vai pensar “lá vem problema”, pior que o pepino, porque ninguém vai querer descascar.

Ser considerado um banana também não é algo que se possa interpretar como elogio, eu particularmente gosto da ideia “do banana” ter um enorme coração. Ser uma uva é relativo, vai depender se é com ou sem caroço, mas se for uva passa, aí não é nada bom! Embora o figo seja citado até nas escrituras sagradas eu nunca ouvi ninguém dizer “aquele cara é mesmo um figo”. Linda mesmo é a melancia, não conheço combinação de cores mais perfeita, mas experimente só elogiar uma mulher dizendo-lhe que parece uma melancia! 

Já a maçã é a eleita, a querida de todos: todo professor tem um aluno ou aluna “maçã”. Ela é clássica e elegante como nenhuma outra. A pera até tentou tomar-lhe o posto, mas que nada, dizem que é dura ou aguada.

Se eu pudesse escolher, certamente seria uma pitanga: pequena e gorducha, às vezes doce e outras azeda, dependendo da época. Não gosto de ouvir dizer que “choraram todas as pitangas”, carambolas: que chorem as goiabas! O mais interessante dessa fruta é que a semente é bem maior que a fruta em si: a pitanga é uma potência, carrega dentro de si a vontade de ser árvore, ou seja, ela é uma fruta esforçada e bem intencionada diante da vida. A pitanga se faz perceber, mesmo por aqueles que não a saboreiam, por sua intensidade de cor e sabor excêntrico. Ela é delicada e notável. Ela é leve e atrevida.

Concluída a minha salada de frutas e toda a reflexão figurativa, passei a olhar para as pessoas de forma diferente e tentar descobrir com que fruta esse ou aquele se parecia. Ah, essa minha cabeça de melão, está lotada de sementes de ideia à toa!