domingo, 27 de setembro de 2015

Carolina e Voucher


Carolina é grande amiga e temos muitas afinidades tais como um gosto musical eclético, gostar de viajar e de andar pelo centro do Rio, além da solidão é claro! Carolina ainda acredita que encontrará o grande amor de sua vida quando tropeçar e cair nos braços do ser encantado. Bem, foi mais ou menos assim que encontrei o amor da minha vida, mas isso aconteceu por volta dos meus 18 anos, já não os tenho mais há muito tempo, nem os meus 18 anos nem o amor da minha vida, que o perdi não sei onde nem quando, mas faço votos e torço de verdade para que ela encontre o seu do jeitinho que imaginou!

Combinamos, como é de costume, o que iriamos fazer no final de semana. Dessa vez o programa teria que ser planejado com certa antecedência, pois iriamos ao show de uma banda famosa, na Lapa, era certo esgotar os ingressos. Ficou decidido então que Carolina compraria os ingressos antecipadamente pela internet.

Dois dias depois me deixou um recado no whatsApp dizendo que o ingresso estava comprado, eu deveria levar um quilo de alimento não perecível, o tal do ingresso solidário, e eu sinceramente achei bem legal que ela me considera uma pessoa solidária. Disse-me também que eu não me preocupasse, pois nos encontraríamos no local de sempre e ela levaria o Voucher.

Para tudo!

Como assim: Carolina tropeçou e caiu nos braços do ser encantado e não me contou nada? O Voucher também vai? Quem seria esse cara? Afinal, Carolina já falava nele com um tom de intimidade e até o convido para ir ao show! Fiquei tentando digerir essa história e pensando em quais seriam as suas reais intenções para com a minha amiga. Voucher, de certo seria negro, com a cabeça raspada, desses que usa shampoo mesmo sem precisar. Não muito baixo, pois os meninos pequenos não fazem o tipo da minha amiga, nem muito magro, nem muito forte; normal, assim no seu número. Juro: gastei algumas horas montando seu arquétipo, e mais outras tantas construindo seu perfil psicológico, e outras ainda conversando mentalmente com o cara aquelas coisas que a mãe diz quando conhece o namorado da filha.

Para uma grande amiga desejamos sempre grandes encontros, ela é linda por dentro e por fora e merece a pessoa mais fofa do planeta, pelo menos é o que eu acho! Mas não queria antecipar demais as coisas, afinal seria apenas o início do relacionamento entre Carolina e Voucher!

Nos encontramos no local marcado e vi Carolina caminhando em minha direção, sozinha: uai sô! (pensei). Minha ansiedade não me permitiu fazer muitos rodeios e fui logo perguntando:
_ E aí!
_ Tudo bem?
_ Ahm, cadê ele? Tá atrasado, não vem, vai nos encontrar no show?
Carolina sorriu um sorriso estranho:
_ Ele quem?
_ Seu amigo?
_ Amigo?
_ É... o Voucher?
_ Ahhh, o Voucher, tá aqui na bolsa! Lembrou-se de trazer o alimento?
_ Como assim tá na bolsa?

No dicionário: Voucher é um termo de origem inglesa que significa recibo ou documento que comprova o pagamento e o direito a um serviço ou produto. Em inglês, o verbo vouch significa "atestar", "confirmar".

Retirou o papel impresso da bolsa, que nos daria o direito de trocar pelos ingressos na bilheteria. Depois de lhe revelar a confusão provocada pela minha ignorância, do verbo ignorar no sentido de desconhecer, sugeri que colocasse esse lindo nome em seu primeiro filho. Assistimos ao show... e eu com a sensação de ter assassinado o namorado da minha amiga, já estava até gostando dele!  Mas foi ela quem me consolou:


_ Fica assim não amiga, isso vai passar. Ele nem era tão bonito assim!

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Gabriel, o filósofo 


No início foi difícil, escondido, mas afinal eu não estava cometendo nenhum pecado:
_ Não vou falar, não vou falar, vou falar: fiz um perfil em um site de relacionamentos. Pronto falei!

É como estar em uma festa com muitas pessoas falando com você ao mesmo tempo, no entanto tem sempre alguém que chama a sua atenção, se destaca dos demais. E foi num site de relacionamentos que conheci Gabriel46, acho que não foram os pais que colocaram esse nome na criatura, mas é assim a alcunha da grande maioria das pessoas nesses sites, tem códigos do tipo “ano em que nasceu” ou, como eu, denunciando a idade que é pra não haver equívocos: que fique muito claro que já estou na “melhor idade”.

Não me lembro quem piscou primeiro o olho virtual, mas Gabriel46 me fez uma pergunta que me fez vê-lo de uma forma diferente: “você prefere o dia ou a noite?” Li e reli seu perfil antes de responder pra me certificar de que havia “compatibilidade”. Sua foto de óculos redondos iguais ao de John Lennon, jaqueta de couro, numa pose sedutora do tipo “tô aqui pro que der e vier, se vier comigo”. Respondi: “prefiro a noite para ver as estrelas”. Imediatamente chegou nova mensagem: “você gosta de sorvete?” Pensei então: que tipo de homem seria Gabriel46, de uma inteligência rebuscada, perguntas tão simples e profundas que me davam a possibilidade de tantas respostas?  Respondi então: “gosto de sorvete, de chocolate, de café e de andar pelo centro do Rio sábados à tarde, e você?” E outra pergunta: “Qual sua cor predileta?” “Gosto do vermelho, do laranja, pois que sou decidida e criativa, mas também gosto do azul e do verde que me acalmam e equilibram...” E as respostas eram cada vez mais longas e densas.

A essa altura pensava em Gabriel, seja qual for seu número, código ou idade, como um grande filósofo contemporâneo, a pessoa que eu procurava para passar o resto dos meus dias, beleza rara de se ver. Mas depois de responder cerca de quinze perguntas pude perceber que ele nunca respondia às minhas e começou a repeti-las: “você já me perguntou isso Gabriel”; “isso eu já lhe respondi”, “mas você ainda não respondeu à pergunta que lhe fiz!”


Foi só então que percebi que Gabriel46 não era assinante e que aquelas eram perguntas prontas do site. Ai, ai, ai... o romance acabou e Gabriel46 foi minha primeira desilusão virtual! 

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Nas nuvens com Pedrinho

Meu carro tem nome, minha máquina de lavar e minha máquina fotográfica. Meu celular também tem nome: chama-se Pedrinho, ele é contemporâneo assim como minhas novas relações sociais. “Isso fala?” Responderia a Pedro II, grande amor da minha vida, que isto fala, envia mensagem de texto e imagem, filma, fotografa, calcula, agenda: o que diria Pedro sobre isso?

Desespero-me quando a amiga Lourdes cria mais um grupo no WhatsApp. Dia desses avisei aos amigos do grupo que eu realmente os amo, mas preciso abandoná-los, pois a bateria do meu celular deve durar até que eu pague a última prestação do aparelho.

A relação com meu celular tornou-se tão intensa que entrei em pânico o dia em que o perdi no trabalho. Fiquei gelada só de pensar na possibilidade de viver sem Pedrinho: TRAVEI. Uma amiga, vendo o meu desespero perguntou se eu já havia enviado as informações armazenadas para a “nuvem”, não enviei nada porque ainda não havia aprendido chegar às nuvens, devo ter pulado algum capítulo na modernidade.

Imagine só: meu namorado virtual me chamaria no WhatsApp e eu não receberia as suas mensagens até que providenciasse um novo aparelho e outro chip, isso poderia demorar dias. Meu bem era muito reservado, morava dentro do meu celular e jamais saiu lá de dentro, nem pra me encontrar. Seria o fim de algo que nem mesmo começou. Nosso frágil relacionamento não suportaria dias sem uma mensagem ou um sinal de fumaça. A essa altura já pensava em apelar para o bom e velho e-mail.

Enfim encontrei Pedrinho na estante da minha sala de trabalho (ufa!), mas o meu namorado virtual nunca mais me enviou nenhuma mensagem, foi embora sem dizer adeus: dust in the wind. Quanto ao namorado virtual eu jamais saberei, mas Pedrinho me ama, com certeza!


segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Central do Brasil, RJ 2015

Caridade é amar

Almoçar com o amigo Sucena é sempre uma enorme alegria, mas também oportunidade. Sua paciência e espírito fraterno, em longos diálogos, nos permitem pensar e repensar sobre temas às vezes esquecidos. Num dia desses conversávamos sobre mágoa, perdão e caridade. Então ele parou a conversa e registrou no Facebook uma de nossas conclusões, enquanto eu registrava mentalmente em forma de crônica:

Muitas vezes somos tomados de enorme piedade daqueles que passam pelas mazelas do mundo, tecemos comentários e opiniões a respeito disso e daquilo, conjecturando as causas e apontamos os culpados pela desgraça do mundo. Fome, doença, injustiça, violência, abandono...

Por cidadania ou por piedade, empreendemos esforços no sentido de minimizar a dor do próximo. Nesse exercício, seja qual for a motivação, nos desprendemos de nossas sobras: abrimos mão do pesado cobertor cheirando a guardado desde o último rigoroso inverno do Rio de Janeiro; aquela peça de roupa de quando tínhamos 20 Kg a menos, mas finalmente nos convencemos que jamais retornaremos ao corpo da adolescência; a toalha de banho manchada de alvejante; a panela sem cabo.

Doar o que nos sobra é excelente e importante passo, no entanto, se refletirmos um pouco além, percebemos que ainda é pouco diante do tanto que recebemos: amparo, abraços, o sol que se levanta e se põe diariamente. Convictos da necessidade da evolução moral, doamos além do que sobra, doamos nosso bem maior, o AMOR, investindo nosso tempo e energia em favor do outro.

Mas não apenas quando tempo for propício, afinal não somos nós quem determinamos quando e quanto o outro necessita, é a necessidade do outro; não somos nós quem determinamos se o outro precisa de pão ou de abraço, é a necessidade do outro. 


Precisamos aprender então a doar ao outro o que o outro precisa e quando precisa, sem esperar com isso retribuição, recompensa ou gratidão, porque só damos um pouco daquilo que temos e daquilo que somos. E isso sim nos fará felizes!

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Petrópolis 2015

Medo de chuva


Ele chegou ao final da tarde, usava um sobretudo azul escuro com cachecol e trazia uma pequena mala em suas mãos. Era mais alto do que eu havia imaginado, um belo moço assim mesmo, mas isso não era importante.

Aguardava ansiosamente a sua visita. Convidei-o para entrar, insisti acredito que por três ou quatro vezes. Ele preferiu permanecer na varanda, mas aceitou se sentar em minha companhia. A conversa era agradável, como houvera sido todas as conversas que tivemos à distância, anteriormente. Às vezes, eu me perdia no assunto porque olhava contemplativa sem acreditar na sua presença, eu havia me apaixonado por sua inteligência e elegância.

Em sua bagagem trazia muitos projetos, expectativas, pouca mágoa, porém muita inquietação com o que não conseguia compreender e indignação com as coisas deste mundo. O que mais pesava, no entanto, era a saudade. Tinha também muita ciência para ser compartilhada e uma poesia, que trazia de longe para me ofertar.

Percebi que o céu havia escurecido. Que horas seriam?  Teria o tempo passado tão depressa? Ele apressou-se em despedir-se adivinhando a chuva que se aproximava. Disse-me que voltaria, mas não saberia precisar quando.  O motivo de sua súbita partida? Que chuva que nada, temia que a afeição por mim só fizesse aumentar a saudade que carregava.

O tempo passou, escorreu pelo telhado e inundou o chão, penetrou no solo, tal como a chuva. Retirei a fita do cabelo e fechei as janelas. Já era noite em minha vida.


_ Boa noite, durma bem. Sonhe com os anjos! Espero-te amanhã e depois também!

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Pão de Açúcar, RJ 2015

Engrenagens

Lembro-me bem do meu pai fazendo o seguinte comentário: “minha filha é esforçada, mas é muito burra, coitada!” Passei grande parte da minha vida tentando provar-lhe o contrário. Não ouvia com mágoa não, e agora até acho graça da constatação do meu preocupado e bem intencionado pai. De fato havia algo de errado comigo, aprender era difícil demais, coisas simples são ainda hoje por mim realizadas com enorme esforço.

Já convicta da razão do meu velho pai, quase desistindo da contraprova, um dia compreendi que eu tinha um transtorno de aprendizagem. Aprendi a lidar com minhas dificuldades e limitações, respeitando-as e amando-as até que eu me sinta pronta para superá-las.

Centro Cultural dos Correios RJ 2015
Eu sou educadora e utilizo o autoconhecimento em meu ofício. Assim como nunca esperei e não tive quem abrisse o meu casulo, também nunca usei minha dificuldade como desculpa para deixar de realizar tarefas assumidas. Sou muito exigente comigo mesma, a grande diferença é que hoje, consciente dos desdobramentos de ter nascido deste jeitinho, me dou o direito de errar, caminhando sempre num ritmo possível. Sou exigente também com meus alunos, mas compreendo suas dificuldades, seus medos e até suas tentativas de fuga, sem contudo permitir a inércia.

É difícil aprender novas linguagens, ler um romance, tudo que é abstrato demais, compreender ordens complexas, novos processos, aprender a dirigir... É difícil escrever!

Sou uma engrenagem faltando peça, mas sinceramente disposta a ser útil.

Minhas novas conquistas me deixam feliz comigo mesma e animada para superar novos desafios e sei que meu querido pai, que não teve tempo de perceber antes de partir, também ficaria feliz.  

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

CCBB, RJ 2015

A escola espiral


A escola não é apenas um lugar para aprender História, Matemática e outros conteúdos. Escola é lugar do Ser integral desenvolver seus talentos, através do exercício, com direito a errar e tentar novamente; é lugar de experimentar e buscar solução para os problemas que se apresentam, sejam eles de Química ou Física, ou de convivência; escola é lugar de conflito, porque paz não é vestir-se de branco e conflito não significa guerra; escola é lugar de aprender, de ensinar e de fazer amigos. 

Em uma sala de espera , eu ouvi o seguinte comentário de uma senhora, indignada com a atual educação brasileira: " Na minha época , sabíamos todas as capitais do mundo e todos os afluentes do rio Amazonas”.  Eu disse-lhe que não concordava e que estou apaixonada pelos novos rumos propostos para a Educação nesse momento. Quase apanhei, literalmente.

Não sei avaliar ao certo se isso é fundamental num mundo com tantas informações despejadas em tempo real, por segundo, na web. Nem digo que não seja importante saber da existência do longo e caudaloso Rio Amazonas, mas de nada valerá se eu não souber transformar a informação em conhecimento e utilizá-la em minha vida , se necessário. 

Dizer que “está tudo bem, obrigada” seria cegueira ou falta de senso crítico. Diria que “está tudo na mais perfeita desordem, a caminho, em construção”. Afinal,  mudança é processo. Por fim, se nos unirmos em prol de nós mesmos apertaremos o passo em direção à “contemporaneidade” na educação. Então descobriremos que o final nem existe. A educação é parte do processo de transformação constante da sociedade e, como  tal não é círculo, é espiral.