Newton era grande amigo meu
e sempre que possível nós nos encontrávamos em uma confeitaria no centro do Rio
no final da tarde para tecermos longas conversas, desde assuntos à toa como
cortes de cabelo, a assuntos mais densos como as leis universais. As maçãs não
estavam no cardápio, em geral pedíamos chá com biscoitos amanteigados de
Petrópolis.
Em um desses encontros,
disse-me com muita convicção que chegara à conclusão que dois corpos não ocupam
o mesmo espaço, mas ficou desapontado com minha contestação. Refutei essa ideia
de cara!
Iniciei a defesa da minha antítese falando-lhe de paixões avassaladoras que, nestes casos, pode acontecer dos amantes ocuparem o mesmo espaço, isso quase aconteceu comigo. Contei-lhe então sobre Gateau, um francês delicioso que me deixou saudades. Só de pensar na distância em que nos encontrávamos naquele momento era de rodar a cabeça e sentir frio no estômago. Conheci Gateau em uma viagem, por incrível que possa parecer, a Ouro Preto (Minas Gerais), ocasião em que fomos apresentados por uma amiga comum em um restaurante ao som de violinos. Devorei-o com os olhos do tipo amor à primeira vista enquanto ele se derretia por mim! Seria possível tão irresistível atração entre dois corpos? Pode ser, mas deixaria que Newton me explicasse sobre o poder da atração em outro momento.
Irresistível paixão e
tamanha saudade, eu poderia jurar que o desejo de ocuparmos o mesmo espaço era
quase incontrolável. Perguntei a Newton se era possível calcular a saudade que
aumentava na razão direta do tempo e espaço que nos separava. Tínhamos,
portanto, uma equação: quanto mais o tempo passa, maior é a saudade, medida em
quilômetros por dias. Nessa hora lembrei-me do tempo em que Einstein
participava conosco desses encontros, talvez fosse do seu gosto opinar em minha
razão.
Muito indignado, Newton
negaceava sacudindo a longa cabeleira. Dizia que isso tudo era bobagem minha e
que saudade não se mede! Disse-me então em tom de provocação: “A essa
distância? Duvido muito que ainda esteja a sua espera, já se derreteu por
outra!”.
Pensei em Gateau com
carinho e considerei a distância que nos separava. Foi só então que me ocorreu
a ideia de chamar o garçom: “servem Petit Gateau aqui?”. Em minutos, eu já
estava servida, e em poucas e rápidas colheradas já havia devorado a iguaria,
pondo fim a tanta saudade, enquanto Newton me olhava espantado. Dois corpos se
fundiram em um: eu e Gateau éramos agora um único corpo.
Concluí então que Newton
tinha razão: saudade não se mede, se mata!